SkatvManobras: SONINHO NOSSO DE CADA DIA

Expo Soninho do Trem (crédito: Dinheiro é Papel)

Cheguei em casa já passava das 4h da manhã de sábado. De acordo com a minha mulher, que passou lá na porta do Sobrado 70 pra levar pra casa o que ainda restava de mim, meu corpo exalava álcool e algum outro odor que ela acreditava ser bilis. Sim, aquele fluido produzido pelo fígado quando você enche a cara. Ainda com a cabeça pesada como uma bigorna e bastante indisposto, tentava explicar pra ela como foi difícil não beber as doses de cachaça intercaladas às cervejas que entornei no dia anterior naquele lugar.

O Sobrado 70 é mais incrível do que eu já imaginava. Um lugar que respira o que há de mais moderno no que poderíamos chamar de experiência de comunidade urbana dos nossos novos tempos. Artistas, skatistas, designers, morando num sobrado charmoso do Catete com uma proposta descentralizada e tentando ser essencialmente sustentável, embora essa palavra já seja insustentável. Pude comprovar com meus próprios olhos que o mestre Wolmin Dahgrota não poderia ter escolhido ambiente melhor pra lançar a primeira exposição Soninho do Trem, cuja proposta era o propósito do próprio blog que deu origem ao conceito da parada. O Soninho do Trem é, sem dúvida nenhuma, uma criativa e bem humorada leitura das personalidades do subconsciente público.

Prova disso foi a multiplicidade de pessoas com perfis completamente diferentes que se espalhavam pelos cômodos da casa. Um quarto que parecia um ateliê brechó, uma sala com uns instrumentos e a galera fazendo uma jam session na hora, uma saleta com uma vitrola onde a própria galera botou pra tocar o vasto acervo de vinis que contemplava desde Cabeça de Dinossauro até Usuário do Planet. Talvez o ápice desse pico foi o mosh do Baba de Lex, de cima da beliche direto pro colo da galera. Foi animal, teve direito até à chamada coletiva de uma das donas da casa, com razão, diga-se de passagem. Àquela altura do campeonato, naquele clima favorável, neguinho já tava mais loco que o bozo. No quarto ao lado, fotos de skate penduradas, um pátio foda logo no centro da casa onde havia um refrigerador com bebida, onde a galera ficava trocando idéia e enchendo o pote. Nem preciso dizer que esse foi o pico da casa onde eu passei boa parte do tempo na expo.

Só não deu pra competir com o terraço legalize onde tive oportunidade de reencontrar e trocar idéia com grandes e velhos amigos, uma galera do skate, da criação, da arte e das boas idéias. Confesso que ali comecei a entrar no clima do evento e perceber o quanto estava sendo foda aquela exposição, uma vez que se pretendia falar de subconsciente coletivo, de multiplicidade, de conexões. Tinha gente com o background diferente, galera da Sul, da Norte e até do morro. Todo mundo junto e misturado, parecia até um sonho bom, papo de soninho mesmo.

Foi muito foda constatar que aquela idéia genial do meu amigo deixou de ser somente um blog, um conceito e ganhou vida numa exposição incrível, cuja pegada traduziu não só as boas e múltiplas influências do grande artista que é o Wolmin, mas também conseguiu representar uma parte da história de cada um que tava presente, que já bateu cabeça no vidro do trem, no metrô ou até no busão. Uma galera que cruzou a cidade muitas vezes em pé no coletivo sonhando acordada, que já teve a grande idéia chacoalhando no trilho ou simplesmente perdeu a estação final e foi parar no fim da linha.

Texto por Rennê Nunes
Fotos por Dinheiro é Papel